Amadora Liberal

Cultura Livre, Cidadãos Livres: Por uma Política Cultural sem Submissão

Ano de eleições autárquicas. O calendário cultural inunda-se de concertos, arraiais e festivais “gratuitos”. Por toda a parte há palcos montados, som alto e fogo-de-artifício. À primeira vista, parece que a cultura floresce, mas será mesmo assim?

A verdade é mais desconfortável: esta abundância artificial alimenta uma ilusão de vitalidade cultural, quando na realidade esconde dependência, oportunismo político e desperdício de recursos. As autarquias, sob o pretexto de “levar cultura às pessoas”, despejam milhões em eventos que muitas vezes servem mais para gerar likes e votos do que para enriquecer o tecido cultural.

Luís Montez, da promotora Música no Coração, resumiu bem: “É impossível concorrer com espetáculos gratuitos”. A sua constatação não é apenas um desabafo, é um alerta. A subsidiação massiva e descontrolada de eventos culturais destrói valor. A curto prazo, atrai público. A médio prazo, deseduca esse mesmo público, desacostumando-o de pagar por cultura, minando a sustentabilidade do setor privado e promovendo uma visão utilitária e eleitoralista da arte.

Basta observar o impacto económico de eventos culturais de referência. A anunciada “pausa” do Festival Sudoeste, em 2025, representa uma perda estimada de 4,5 milhões de euros para o concelho de Odemira, segundo um estudo do Instituto Politécnico de Beja. Este valor nem sequer contabiliza os gastos da organização, refere-se apenas ao consumo fora do recinto. É uma demonstração clara de como a cultura, quando vive do mérito e da adesão do público, gera riqueza real, cria emprego e fortalece as comunidades.

Mas quando tudo é “gratuito”, pago por todos mas decidido por poucos, esse valor esvanece. E a cultura transforma-se num braço da propaganda, domesticada pelo orçamento público.

Na Amadora, este fenómeno tornou-se evidente com o caso do Teatro dos Aloés. Durante mais de duas décadas, a companhia desenvolveu a sua atividade num espaço público, beneficiando de condições de uso que não exigiam o esforço de uma estrutura financeiramente autónoma. Sem a pressão de pagar renda ao final do mês, não houve necessidade real de construir uma base de público sólida e regular que sustentasse o seu funcionamento. Agora, perante a retirada de apoios e a indisponibilidade de espaço, a companhia encontra-se sem palco, num cenário que revela os riscos de um modelo cultural assente na dependência prolongada do poder público.

A pergunta liberal é: como chegámos aqui?

A resposta é dura, mas necessária: o Teatro dos Aloés nunca conquistou a sua independência financeira. A prolongada dependência de apoio público criou um modelo frágil, vulnerável a qualquer mudança de ciclo ou de humor político. Não é uma crítica à sua qualidade artística, é uma crítica à lógica de subsidiodependência, que tolhe a autonomia, reprime a inovação e neutraliza o espírito crítico que a cultura deveria cultivar.

Mais grave ainda, esta lógica produz uma cultura “oficial”, formatada, previsível e confortável para o poder. Quando os projetos culturais vivem à mercê da simpatia de um vereador ou da disponibilidade orçamental, a liberdade artística transforma-se numa ilusão. E o ecossistema empobrece: menos risco, menos diversidade, menos futuro.

A cultura deve ser livre. E para isso, os artistas e as organizações culturais devem poder crescer com o seu público, com o seu mérito, com a sua capacidade de inovar e gerar receitas. O papel do município não deve ser o de mecenas omnipresente, mas o de facilitador: criar condições, abrir espaços, simplificar licenças, incentivar o mecenato privado e premiar a excelência.

Uma política cultural liberal valoriza a arte que sobrevive por ser boa, não por ser financiada. Valoriza a criatividade que atrai público por mérito, não por alinhamento ideológico. Valoriza o cidadão como protagonista da cultura, e não como mero recetor passivo de entretenimento pago por todos.

O teatro deve viver do aplauso do público, não da benevolência do poder.

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